Eu
já nem lembrava mais ao certo o motivo pelo qual a gente se deixou. Naqueles
dias primeiros, eu só conseguia pensar nas vantagens e nas desvantagens do
rompimento. Tentava balancear para alcançar uma conclusão. O debate entre a
razão e a emoção estava, certamente, longe de uma definição do melhor e, tampouco,
livre de tendências para inclinações favoráveis a emoção. À essas alturas, o
debate nada havia de imparcialidade, à todo instante me via planejando ou
desejando que algo acontecesse para provocar a chance de um reencontro.
Um
desses devaneios em busca do reencontro levou-me a um espaço semelhante um
alpendre de uma casa. Eu acabara de sair de dentro dela, envolta em um lençol
que eu percebia cobrir-me sensualmente, mostrando um pouco do babydool preto estampado de rosas e também um pouco do
corpo, parte dos seios. Eis que você
surge à minha frente.
Não
te reconheci de imediatamente pela figura, estavas magro, desvalido, olhar
angustiado... Mas, te reconheci pelo cheiro, pela força que me atraia para
ti... Eu te reconheceria em qualquer lugar, de qualquer forma. Esse é o
pensamento que me ocorre agora relembrando a cena.
Lembro-me
que na noite anterior a essa tua vinda, eu caminhei com pessoas que eu não
conhecia profundamente, havia entre eu e essas uma afinidade provocada por mim
mesma. Havia cachorros e crianças que provocaram um elo. Todos conversavam
alegremente em uma casa espaçosa, de poucos móveis, era cerca de dez pessoas ou
mais espalhadas pelos cômodos dessa casa e eu entrei como uma penetra, desapercebida,
que aos poucos tentava se familiarizar.
Saindo
da casa, as ruas já estavam escuras, mal iluminada pelas luzes amareladas dos
postes e cobertas por árvores. Haviam também muitos galhos grandes derrubados
pelo caminho estreito. Eu caminhava ao lado de uma mocinha que não demonstrava
muita afinidade por mim. Ela carregava dois cachorrinhos brancos, da raça
poodle e, de vez em quando, eu não resistia em fazer-lhes um carinho e uma
graça para vê-los festejar. Por um instante, eu e ela tememos aqueles galhos caídos
ao chão, do nosso lado. Parecia que alguém poderia se esconder ali e surgir
repentinamente para nos fazer algum mal.
O
que me lembro depois é de já está caminhado só, a tal mocinha parece haver
ficado para trás ou tomado outro rumo. As ruas estavam desertas e encharcadas
da chuva. Poças enormes me faziam alternar as calçadas e buscar estratégias
para atravessá-las. Já não chovia, mas o céu mantinha a sua cor cinza com
poucas luminosidade ao fundo, denunciando que o sol tentava forçar um
amanhecer. O frio era suportável, apenas desconfortante, somava ao lugar a
sensação de abandono e solidão.
Observei
que um rapaz que caminhava ao meu lado sem que eu o notasse antes. Nós nos comunicávamos
sem usar palavras. Ele tentava me garantir uma confiança mas não funcionava
totalmente. Seguimos juntos, nesse diálogo mudo, até o final de uma rua, onde
as águas desciam com uma força de eram puxadas para uma cachoeira. Ele deu-me a
mão para pular um obstáculo. Senti na sua mão a capacidade de me puxar para
algum lugar onde eu não desejaria ir e soltei-me imediatamente. Livrei-me da
sua insistência de acompanhá-lo na entrada da sua casa e corri de volta para o
inicio do caminho.
Não
há memórias construídas de como eu consegui chegar em casa. O que aconteceu a
seguir foi a cena da varanda, enrolada no lençol e a surpresa (esperada) da sua
aparição.
Tudo
seu era muito familiar, mas havia um vácuo entre nós. Eu atendi ao seu chamado
e o segui pelas ruas, enrolada no lençol, chamando atenção das pessoas para a
cena, tentando não dar muita importância a isso.
Lembrei-me
de você haver me contado que havia se mudado para uma casa maior e percebi que
estava me conduzindo até ela. De repente, aproveitei-me de um descuido seu, que
caminhava olhando para trás apenas de vez em quando para se certificar de que
eu o continuava seguindo, e escapei. Já não havia mais em mim a certeza de
querer segui-lo.
Escondi-me
por trás de umas ruínas de uma casa. A cabeça se esforçava para pensar rapidamente
e tomar uma decisão. Eis que novamente aparece em meu caminho uma criança,
sempre há uma criança... Esta parecia abandonada. Não soube me responder,
apenas chorava. Coloquei-a em meus braços, consegui tranqüilizá-la. Atribui a
criança uma justificativa para decidir procurá-lo. Voltei ao caminho e você já
havia entrado na casa. Consegui localizá-la com facilidade. Eu estava com a
criança em meus braços e você veio me receber trazendo outra criança nos seus.
A
casa parecia um armazém. As paredes desgastadas, muito suprimento espalhados
pelo chão, formando pilhas e pilhas de coisas como açúcar e enlatados. Haviam
muitos colchões jogados pelo chão dos outros cômodos e muitas pessoas deitadas
sobre eles. Uma sensação de tristeza e abandono de si mesmo brotava daquelas
pessoas. Você parecia ignorar essas sensações e me apresentava euforicamente um
por um.
No
meio da conversa, alguém informou sobre a fome que as crianças estavam
passando. Não havia leite para elas, nem massa para fazer o mingau, foi o que o
homem disse para você. Ouvi aquilo constrangidamente. Embora nenhuma
solicitação me fosse dirigida, a sua imagem de cabeça abaixada, sem saber o que
fazer, me impulsionou a ir comprar os itens que faltava e trazê-los para
aquelas pessoas. Você e os outros receberam agradecidos, embora eu não
percebesse alguma sensação de gratidão.
Por
mais que eu sentisse uma necessidade de opinar sobre o que via em sua vida,
naquela espécie de armazém cheio de pessoas pelos cantos, eu me controlava para
não fazê-lo, pelo menos não com palavras, porque o meu olhar certamente denunciava
os meus pensamentos.
Finalmente,
você veio em minha direção com um sorriso informando que eles resolveram se
mudar. No mesmo momento, um caminhão parou na frente da casa e as coisas,
juntamente com as crianças e os adultos seguiram para uma cidade no interior do
estado, para onde havia planos de colocarem um mercado e começar uma vida nova.
Nós
dois ficamos parados observando o caminhão se afastar. Desse momento em diante,
mais nada aconteceu. Eu acordei.